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quarta-feira, 26 de maio de 2010

Juiz autoriza inseminação com sêmen de marido morto




IOB - Juiz autoriza inseminação com sêmen de marido morto

Publicado em 26 de Maio de 2010 às 11h43

A professora Kátia Lenerneier, de 38 anos, conseguiu, no dia 17, uma liminar determinando que a Clínica e Laboratório de Reprodução Humana e Andrologia (Androlab), de Curitiba, realize inseminação artificial com o sêmen congelado de seu marido, Roberto Jefferson Niels, de 33 anos, morto em fevereiro, vítima de câncer. O laboratório recusou-se a fazer a intervenção, pois no termo assinado quando da coleta não estava expressa a destinação do sêmen, conforme resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), de 1992, que trata da ética na utilização de técnicas de reprodução assistida.

Kátia disse que estava casada havia cinco anos e tentava engravidar, quando, em fevereiro do ano passado, foi diagnosticado um melanoma com metástase em Niels. Depois de submetido a cirurgia, a médica orientou a coletar sêmen caso o casal tivesse intenção de ter um filho, pois ele iniciaria a imunoterapia e corria o risco de ficar infértil. Em junho, quando Niels melhorou, ela começou o tratamento de fertilização artificial. "Mas a doença voltou, com metástase nos ossos e ele teve que ir para a quimioterapia, eu deixei o tratamento para engravidar e me dediquei a ele", disse a professora. Niels morreu em fevereiro deste ano.

Quando ela tentou retomar o tratamento de inseminação para ter o filho do marido morto, foi surpreendida com a informação de que Niels precisaria ter dado uma orientação expressa para que ela pudesse fazer uso do sêmen. "O sêmen me pertence, posso fazer o que quiser, menos destinar para mim mesma", afirmou. A professora procurou, então, a ajuda de médicos e advogados. "Conseguimos demonstrar, com declarações da família, de amigos, de médicos, que a vontade dele era ter um filho", disse a advogada Dayana Dallabrida.

Foi o entendimento do juiz Alexandre Gomes Gonçalves, da 13ª Vara Cível de Curitiba. "Não parece, porém, que essa manifestação de vontade deva ser necessariamente escrita; deve ser, sim, inequívoca e manifestada em vida, mas sendo também admissível a vontade não expressada literalmente, mas indiscutível a partir da conduta do doador - como a do marido que preserva seu sêmen antes de submeter-se a tratamento de doença grave, que possa levá-lo à esterilidade e incentiva a esposa a prosseguir no tratamento", disse na sentença.

Outro lado

O representante do Conselho Federal de Medicina (CFM) no Paraná, Gerson Zafalon Martins, discordou da decisão judicial. Segundo ele, entre os principais países, apenas a Inglaterra admite inseminação em caso semelhante, mas não garante os direitos sucessórios. Martins acentuou que a maior preocupação deveria ser com a "vulnerabilidade" da criança que nascer.

"Nós não sabemos como reagirá sabendo que o pai é morto", ponderou. Em razão da situação nova, ele acredita que o assunto deve ser discutido no CFM. No caso da professora, Martins afirmou que o conselho só se pronunciará se o médico que for realizar o procedimento acioná-lo, visto que há decisão judicial.

Kátia disse já ter sido contatada pela clínica para realizar os exames prévios, prevendo-se fazer a primeira tentativa de inseminação em julho. Ela foi informada de que as possibilidades de a gestação ser levada adiante são de 20% a 30% em cada tentativa, mas mantém a esperança. "Vai ser a realização do nosso sonho de construir uma família", afirmou. Caso a professora consiga ter o filho, a advogada Dayana Dallabrida já prevê novas discussões jurídicas, como a paternidade na documentação da criança e o direito de herança. "Agora a discussão é só sobre o direito à fertilização", acentuou.

Fonte: UOL noticias

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O apelo romântico da história é muito forte, o que dificulta sua análise jurídica. Como contrariar uma decisão judicial que privilegia os melhores e sinceros anseios dessa viúva que deseja, somente, perpetuar o seu amor com a concepção de um filho do marido morto a quem, certamente, amava?

A questão ética, os compromissos da República em promover a paternidade/maternidade responsável, a defesa, no caso, por projeção, do melhor interesse da criança "a ser gerada", os aspectos patrimoniais e extra-patrimoniais dessa decisão, e, especialmente, a análise do caso, com olhos no futuro, apontam para o desacerto da decisão.

Embora louvável a iniciativa da viúva, há que se ponderar que a vida é dinâmica, que, a julgar por sua idade, venha a vencer o luto e refazer sua vida afetiva, ou, vencendo o luto, entenda que seja melhor ter filhos resultantes de novo relacionamento; ou, que não deseja mais a maternidade.

Além de já nascer órfã, correr o risco de herdar a genética paterna que poderá condená-la ao mesmo e triste destino do pai, há que se ponderar que essa criança poderá sofrer rejeição no novo núcleo familiar a ser constituído pela mãe, poderá ser rejeitada pela família paterna por representar uma dor indesejável diante da perda precoce do filho ou mesmo em razão de disputas sucessórias, enfim, melhor seria que a concepção não acontecesse e que essa bem intencionada mulher vivesse o luto de seu marido como qualquer viúva, vencendo-o e refazendo sua vida, ao invés de "homenageá-lo" com a concepção de um novo ser humano que, a bem da verdade, representa mais a satisfação de um bem intecionado capricho materno do que a realização dos propósitos sócio-jurídicos, filosóficos e éticos, conforme inscritos na Constituição da República.

Outros aspectos relevantes poderiam ser suscitados, como a falta da anuência, ou do querer paterno que, nessas condições, não podem ser presumidos.

Além disso, não creio que questões dessa profundidade e amplitude devam ser objeto de concessões judiciais liminares, onde, afinal está a urgência e o perigo da demora, ou a inequívoca verossimilhança do Direito, condicionantes do deferimento de liminares?

Uma questão interessante diz respeito ao material genético conservado pelas pessoas, cuja natureza jurídica é indefinida. Seria um bem suscetível de disputa judicial?. Um exemplo real: uma casal deposita em um laboratório embriões porque deseja filhos que não podem ter naquele momento; em seguida, se desentende e se separa; a mulher exige o material genético e o homem não quer e não aceita mais a idéia da paternidade. Como resolver isso?

No caso comentado, o que garante que o "pai em potencial" tenha falecido ainda (se havia) com o propósito de ser pai, ou ser "pai póstumo"?

Lamento pela tragédia que vive essa viúva, mas, não aceito, do ponto de vista jurídico ou ético, as suas razões para pedir a inseminação nas condições relatadas.

RMG

7 comentários:

  1. Muito complicada essa questão, que envolve tantos aspectos jurídicos e humanos.
    Acho bom que mais uma criança venha ao mundo. Quem sabe ela virá a ter dois pais? O que se foi e outro, se a mãe tiver novo relacionamento. Laços afetivos são muito fortes, e há tantos pais vivos que são ausentes.
    Do ponto de vista ético e jurídico, não sei como decidiria sobre o assunto. Contudo, falando da minha vida, eu gostaria de ter um filho do homem que amo, se ele se fosse.

    Indico para você a leitura do blog "Para Francisco", que fala da morte súbita do pai do filho da jornalista Cristina Guerra durante a gravidez. O Francisco nasceu orfão de pai e ela conta, com muito talento, como é.

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  2. Marina,

    Sua sensibilidade é tocante, como eu imaginava que ocorreria.

    A patir de suas palavras, encontramo-nos diante de conjecturas. Assim como há possibilidades de sucesso e felicidade numa empreitada como essa, há a possibilidade de malogro, de insucesso.

    Temos essa faculdade de, lotericamente, apostarmos na felicidade de nossas crianças?

    Não tenho respostas prontas, por isso, me disponho ao debate.

    Quanto a você, torço para que jamais se veja diante de um dilema tão profundo.

    RMG

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  3. Roberto,

    Essa questão me suscita mais perguntas que respostas...
    Acho que o Direito deve acompanhar a realidade, e a inseminação artificial com sêmem de pai falecido já está até na novela das 18h. Portanto, acho antes de mais nada, necessária a regulamentação legal, que contemple inclusive as questões sucessórias. Muito importante também a discussão no campo da Bioética, mesmo porque essa decisão relatada no seu post vai contra o atual código de ética médica.

    Do ponto de vista de a criança já estar previamente destinada a nascer sem pai, não vejo grande diferença entre esse caso e a chamada "produção independente". Acho até que a situação descrita tem a vantagem de dar a criança o direito de conhecer suas raízes familiares. E como a Marina lembrou, falando do lindo blog "Para Francisco", fatalidades existem.

    Para mim o ponto mais delicado do caso em questão é o risco de herdar a genética paterna, como você bem ressaltou. Dados médicos dizer que 10 a 15% dos casos de câncer são consequência de hereditariedade. Parecem números baixos, mas quando se pensa na vida de uma criança, acho que são altos demais. Após perder o marido de câncer, não me arriscaria a perder, também, um filho. Portanto, é essa minha posição pessoal nesse caso: por maior que fosse a dor e o desejo de perpetuar um amor encerrado tão precocemente, eu não arriscaria uma nova perda, ainda que remota.

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  4. Nina,

    Não é a inseminação artificial que está em foco, são outros aspectos que dizem respeito, por exemplo, a impossibilidade de se auferir a vontade, o consentimento, o desejo íntimo daquele que faleceu seu declará-lo. Como no exemplo que citei, esse homem pode ter se arrependido da idéia de ser pai "vivo ou morto" e não cabe ao Judiciário, postumamente, lhe suprir o consentimento. Outro aspecto se refere ao material genético colhido deste indivíduo que não pode, por ausência de previsão legal, ser objeto da transmissão hereditária, afinal, nem mesmo sua natureza jurídica é definida.

    Receio que, futuramente, as coisas se resolvam pragmaticamente como ocorreu nos EUA. Veja:

    "Esperma é propriedade da mulher, decide Justiça dos EUA.Usar esperma para engravidar, sem autorização do homem, pode render processo mas não caracteriza roubo porque “uma vez produzido, o esperma se torna propriedade” da mulher. O entendimento é de uma corte de apelação em Chicago, nos Estados Unidos, que devolveu uma ação por danos morais à primeira instância, para análise do mérito.

    O médico Richard O. Phillips acusa a também médica Sharon Irons de “traição calculada, pessoal e profunda" ao final do relacionamento caso que mantiveram seis anos atrás. Ela teria guardado sêmen depois de fazerem sexo oral, e usado o esperma para engravidar.

    Phillips alega que só descobriu a existência da criança quando Sharon ingressou com ação exigindo pensão alimentícia. Testes de DNA confirmam a paternidade. As informações são do site Espaço Vital.

    O médico então processou Sharon por danos morais, roubo e fraude. A ação foi preliminarmente recusada pela Justiça de primeira instância, mas agora o caso por danos morais deverá prosseguir. Os juízes da corte de apelação descartaram as pretensões quanto à fraude e ao roubo, afirmando que "a mulher não roubou o esperma".

    O colegiado levou em consideração o depoimento da médica. Ela afirma que quando o então namorado "entregou seu esperma, isso foi um presente". Para o tribunal, "houve uma transferência absoluta e irrevogável de título de propriedade entre doador e receptora" e "não houve acordo de que o depósito teria de ser devolvido quando solicitado"." (http://www.conjur.com.br/2005-fev-27/esperma_propriedade_mulher_decide_justica_eua)

    Quanto aos filhos havidos por "produção independente" a lei impõe que se instaure a chamada investigação oficiosa de paternidade", ou seja, a responsável pela produção independente é chamada em juízo para declinar a paternidade da criança e a sua negativa pode ensejar outros processos, como o de responder judicialmente pela sonegação deliberada da identidade genética e familiar do filho; de lhe sonegar a garantia constitucional de conviver com o pai etc.

    Enfim, bons proprósitos não são garantia de harmonia social.

    RMG

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  5. Obrigada!
    Sua resposta trata exatamente da questão que eu coloquei: a necessidade de regulamentação legal no que tange à inseminação artificial de pai falecido/produção independente.
    Que questão tão delicada... Quem tem, afinal, o poder de decidir sobre o direito à vida?
    Seus textos têm me dado oportunidade para refletir sobre questões importantes, gosto muito de aprender. E quanto mais se conhece, mais se vê que não sabemos nada...

    Ah, sábia a sua frase final. Bons propósitos não são, infelizmente, garantia de nada... São as ações, e não as intenções, que transformam o mundo.

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  6. Por Gentileza, estou fazendo meu TCC justamente sobre este assunto, e não encontro em parte alguma do universo a natureza jurídica do sêmem, assim como não consigo identificar se é posse, coisa ou bem? Pois não consigo nem classificar o sêmem no ordenamento. Pode servir de herança? Tem valor? De quem é o sêmem, dos pais do doador ou da esposa ou companheira? Ou ainda... se coisa ou bem, caberia ser dos herdeiros, filhos ou ascendentes? Isso porque estamos falando do sêmem de uma pessoa anônima, mas seria diferente se fosse de alguém como Michael Jackson ou Ayrton Senna... o Sr. poderia me ajudar?
    Desde já, agradeço.

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  7. Sem fazer juízo de valor sobre o que está contido no seu Blog, considerando o que disse o eminente, mais que Advogado, Rui Barbosa (1849-1923) ─ Numa época de lassidão, e violência, hostilidade, fraqueza, de agressão e anarquia nas coisas e nas idéias, a sociedade necessita justamente, por se recobrar, de mansidão e energia, de resistência e conciliação ─ por ser plenamente atual o que relatara aqui o Dr. Rui Barbosa, permito-me seguir a sua redação à semelhança da exegese rabínica (Midrash) ─: justamente para rever urgentemente o nosso conjunto de leis, conforme meu Blog sobre a LEI SECA e a REPRODOÇÃO (humana) ASSISTIDA, endereço ─ www.leialcoolemiaseca.blogspot.com
    Atenciosamente JORGE VIDAL

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