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Embora de conteúdo jurídico, este blog tem a pretensão de abrir o debate sobre questões relacionadas à família, aos relacionamentos, em qualquer de suas configurações, e, para isso, quero contar com a participação de todos, independentemente de arte, ofício ou profissão; ideologias ou credos; afinal, é do diálogo plural e democrático que nascem as idéias e valores que, de alguma maneira, hão de dar os contornos à sociedade que desejamos.

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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Igreja X homossexualismo



No Brasil, especialmente, nas duas últimas décadas do Século XX, os debates jurídicos acerca dos direitos dos homossexuais ganharam força e profundidade. As possibilidades de adoção entre pares do mesmo sexo; de direitos assistenciais e previdenciários recíprocos; de união estável (não mais de mera sociedade de fato) etc., vem sendo estudadas no meio acadêmico e tem gerado inúmeros projetos de lei, ainda em tramitação no Congresso Nacional.

Sem surpresa, as igrejas, notadamente, as Cristãs, segundo dados do IBGE, majoritárias por essas bandas, ressuscitaram, ainda mais virulentamente, seus discursos homofóbicos, intolerantes, discriminatórios e, sobretudo, soberbos, causando nos corações dos fiéis injustificável dilema, como se a questão se resumisse a ser a favor ou contra o homossexualismo (homossexualidade, para ser mais correto).

Essa questão nunca esteve em debate! O Estado laico e a sociedade em sua multidiversidade, não podem, por força do contrato social escrito democraticamente, intervir na orientação sexual ou afetiva de ninguém, exceto na medida em que os princípios eleitos digam o contrário, como ocorre com a pedofilia ou a exploração sexual infanto-juvenil.

Tranqüilizem-se, portanto cristãos e fiéis cujas religiões condenem o homossexualismo (homossexualidade, para os mais técnicos), não há caça às bruxas ou bruxos! O que interessa ao Direito é assegurar ao ser humano, dentre tantas outras garantias constitucionais, dignidade, respeito, tratamento igualitário, proteção, assistência, independentemente de sua natureza, orientação, preferência ou opção sexual - valores humanos, valores religiosos - caso contrário, Maria Madalena teria recebido a primeira pedrada das mãos do próprio Cristo, chamado Jesus.

Teologicamente, se aprende que a salvação é individual. Cada um se entenderá, no Juízo Final, com o Criador, e, nessa oportunidade, seus acertos e falhas serão justificados e a sentença divina, proferida. Ocupemo-nos, portanto, em cumprir nosso papel humano de seguir o belo exemplo, mítico ou não, de dar ao próximo o amor do qual gostaríamos de ser credores e, isso, importa em fazer o melhor independentemente a quem, como, por exemplo, o Cristo fez com a prostituta Madalena, com o ladrão crucificado ao seu lado ou ao explorador Zaqueu.

Particularmente, não consigo entender na natureza perfeita de Deus, a possibilidade de acepção de pessoas a partir dos orifícios ou apêndices por onde tenham prazer...

Importante mesmo, nessa estada terrena é não ignorar fatos que reclamam remédio legal, exatamente como diz o Desembargador Pernanbucano, Bartolomeu Bueno:

“... é pública e notória, contemporaneamente, a convivência familiar, afetiva, contínua e duradoura entre pessoas do mesmo sexo, com características de entidade familiar, inclusive para fins de assistência mútua e previdenciária, não podendo o Poder Público e o Direito, em confronto com a realidade, ignorá-la ou considerá-la inexistente.”

RMG

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Assistam:

8 comentários:

  1. Roberto,

    Parabéns pelo seu belo texto, que se funde ao anterior numa abordagem jurídica e humana na mais ampla acepção da palavra. É um alento que existam advogados de família assim como você, capazes de enxergar além e através.

    Sim, Deus é amor, e, como tal, não julga as criaturas que amam.
    Lembrei-me do poema de Drummond:

    Amar

    Que pode uma criatura senão,
    entre criaturas, amar?
    amar e esquecer,
    amar e malamar,
    amar, desamar, amar?
    sempre, e até de olhos vidrados, amar?

    Que pode, pergunto, o ser amoroso,
    sozinho, em rotação universal, senão
    rodar também, e amar?
    amar o que o mar traz à praia,
    e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
    é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

    Amar solenemente as palmas do deserto,
    o que é entrega ou adoração expectante,
    e amar o inóspito, o áspero,
    um vaso sem flor, um chão de ferro,
    e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

    Este o nosso destino: amor sem conta,
    distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
    doação ilimitada a uma completa ingratidão,
    e na concha vazia do amor a procura medrosa,
    paciente, de mais e mais amor.

    Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
    amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

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  2. Se há algo pelo qual as pessoas devem ser julgadas é pelo caráter. E isso, muitas das religiões e pessoas se esquecem de fazer.

    Parabéns pelo texto.
    Abraço!

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  3. Realmente, o Direito deve evoluir, tutelar e regular as circuntâncias sociais observadas à sua contemporaneidade.
    Entretanto, isso não inibe nem prejudica a idéia religiosa (cristã ou não) que entenda, legitimamente por direito e por liberdade de credo, que determinadas condutas humanas(sejam elas quais forem)não se amoldam aos seus dogmas. Não creio que isso deva ser encarado como preconceito ou, especificamente, homofobia.

    Ótimo tema!

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  4. Independentemente de avaliação religiosa e sem embargo de qualquer consideração preconceituosa e muito menos homofóbica, no Estado democrático de Direito deve prevalecer a vontade da lei e não se permite, onde dúvida não há, interpretação que descaracterize ou contrarie seu texto expresso, pena de se criar uma situação que poderá levar à desobediência civil.
    Salvo engano em San Francisco, no EUA, era permitido o casamento gay. Fizeram um plebiscito e a população resolveu revogar a lei. Não se casa mais lá até que outra lei seja editada. Isso é respeito à lei.
    Aqui de duas uma: ou se considera inconstitucional o Código Civil ou se aprove uma lei que atenda aos interesses dos grupos que não estão contemplados nela. Ora, o Código Civil dispõe claramente em seu Art. 1723: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
    O desrespeito à lei pode servir pra muita coisa, para o bem e para o mal. É isso.
    }Clod

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  5. Com grata satisfação recebo os comentários do dileto amigo Clod (ad referendum.net) e aproveito para, diante dos argumentos segundo os quais "Aqui de duas uma: ou se considera inconstitucional o Código Civil ou se aprove uma lei que atenda aos interesses dos grupos que não estão contemplados nela.", tecer breves ponderações.

    A partir da constitucionalização efetiva do Direito, não há porque pugnar pela inconstitucioalidade de qualquer dispositivo do Código Civil para resolver a questão em debate, embora fosse útil a edição de diploma específico que a regulasse.

    Com a adoção do sistema de cláusulas abertas ou vagas (de franca inspiração no BGB alemão)e observando a velha regra inscrita na LICC (Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.)e no Art. 126, do CPC ("O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito."), supera-se a dificuldade apontada pelo querido amigo e jurista, ou seja, a situação dos pares homoafetivos, real e carecedora de proteção jurídico-legal, pode e deve ser resolvida sem qualquer agressão a dispositivos específicos do Código Civil e, melhor que isso, privilegiando princípios fundantes do Estado Democrático de Direito, conforme inscritos na CRFB.

    A propósito: As Mini-reformas E A Hermenêutica Constitucional Do Direito (para ler, clique no título arrolado à direita dos posts)

    RMG

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  6. Obrigado pelo texto tão bom. Mas meu, depois de tanto pensar, o vídeo no final foi perfeito para rir um bocado!

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  7. Ótimo texto Roberto, parabéns. Realmente, em um Estado Laico, argumentos puramente religiosos não podem influir nos rumos políticos e jurídicos da nação, sob pena de esvaziamento da laicidade estatal. Religiosos devem deixar de ter atitudes totalitárias e aceitar o conceito de liberdade de Stuart Mill, segundo o qual a liberdade garante às pessoas a autonomia moral para viverem suas vidas da forma como bem entenderem, DESDE QUE não se prejudiquem terceiros. O argumento de que a pessoa estaria cometendo um mal para si mesmo que isto não ache não justifica qualquer intervenção, pelo pluralismo social que garante o direito fundamental ao respeito à individualidade das pessoas.

    No mais, perfeita sua resposta no sentido de qu temos uma omissão legal passível de supressão por interpretação extensiva (considero as situações idênticas) ou analogia (idênticas no essencial, no mínimo), por força do princípio da igualdade (que exige tratamento igual a situações idênticas ou análogas). É o entendimento atual do STJ (cf. REsp n.º 820.475/RJ).

    Gostaria apenas de fazer uma correção terminológica: o sufixo "ismo", relacionado a condutas humanas, significa "doença", ao passo que o sufixo "dade" significa "modo de ser", sendo assim tecnicamente incorreto o termo do uso "homossexualismo", e o correto, "homossexualidade" ("ismo" também significa sistema de princípios e crenças, donde "socialismo", "catolicismo" etc não têm esta conotação de doença, existente apenas quando dito sufixo é associado a condutas humanas). No mais, sexualidade não é uma "opção", já que pessoas não escolhem ser homo, hétero ou bissexuais, apenas se descobrem de uma forma ou de outra, independente de sua vontade.

    Não me leve a mal, as correções terminológicas configuram meros detalhes. Seu texto e sua resposta são muito bons - juridicamente precisos e de grande sensibilidade humana. Parabéns.

    Abraço,
    Paulo Roberto Iotti Vecchiatti
    Especialista em Direito Constitucional pela PUC/SP
    Mestrando em Direito Constitucional pela Instituições Toledo de Ensino/Bauru
    Advogado - OAB/SP 242.668
    Autor do Livro "Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos" (1ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2008)

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  8. A proposta do blog, ao que tudo indica, caminha no sentido desejado e fico muito feliz por isso.
    A pluralidade de opiniões é fundamental!
    Quanto ao Érico, não posso dizer muita coisa porque a afinidade afetiva é muito grande e isso contaminaria qualquer cometário que fizesse. É alguém tão importante para mim quanto a minha filha, mas, aproveito a oportunidade para lhe puxar as orelhas porque sei de sua capacidade para contribuir mais e em profundidade nesse debate.
    Em relação ao Paulo Roberto, não posso deixar de registrar a minha gratidão por sua intervenção absolutamente precisa e, aproveito a oportunidade para registrar que o erro terminológico, rapidamente percebido pelo amigo mestre, foi proposital. Uma grande amiga me advertiu que a minha linguagem jurídica afastaria as pessoas do debate, que seria importante usar a terminologia "mais" popular, razão pela qual abusei dos "ismos" ao invés das "ades".
    Importante mesmo é que o Ërico e o Mestre Paulo Roberto continuem a contribuir com esse debate, cada um trazendo a lume, a sua visão, dado que, como se observa, pastores que se alimentam da ignorância popular, com retórica apelativa e criminosa, são mais bem aceitos do que aqueles que buscam socorro apenas no Direito.
    Espero, agora, que a comunidade "psi" também se manifeste!

    RMG

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