Aviso aos navegantes!


Embora de conteúdo jurídico, este blog tem a pretensão de abrir o debate sobre questões relacionadas à família, aos relacionamentos, em qualquer de suas configurações, e, para isso, quero contar com a participação de todos, independentemente de arte, ofício ou profissão; ideologias ou credos; afinal, é do diálogo plural e democrático que nascem as idéias e valores que, de alguma maneira, hão de dar os contornos à sociedade que desejamos.

Bem-vindos!


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

LUTO – EXPLICAÇÕES NECESSÁRIAS




Aos 24 anos, meu afilhado, sem deixar explicações expressas, resolveu desembarcar dessa “nave louca” (como diria o Bial), que é a vida. Dia cuidadosamente escolhido, 02 de novembro, dia dos mortos: forma de se perpetuar como lembrança; forma de dizer como se sentia em relação ao mundo, às pessoas e à vida.

Desistiu, enjoou – sei lá! – rompeu o maior de todos os tabus. Escolheu por não continuar e encarou o desafio do porvir, a despeito da possibilidade de simplesmente desaparecer, como uma vela que se consome. Optou por antecipar o destino de todos nós.

Não foi covarde, não foi valente, não foi herói, desafiou o tabu que atormenta a filosofia, a psicologia, a psiquiatria, a sociologia, enfim, desafiou o pensamento humano em todas as suas vertentes.

Quanto a ele, ninguém pode arriscar qualquer palpite; mas, quanto a nós que ficamos órfãos do menino-gênio, a conversa é outra.

Cada um, de acordo com suas convicções, extrairá uma conclusão e, havendo pluralidade de conclusões, não haverá certeza(s).

É o que menos importa, na verdade. Importa, realmente, é o que o seu recado provoca em nós, em todos que o amam ou amavam.

Eis o novo cordeiro imolado a nos obrigar a refletir sobre a vida e sobre a morte. Sobre o que somos e o que deveríamos ser em relação ao outro – àquele a quem devíamos amor ou, no mínimo, respeito.

Sobre a liberdade de escolha, sobretudo, sobre como queremos viver essa breve existência.

A mim, resta a constatação: o futuro de nossos filhos, em grande parte, é determinado pela imensa capacidade de sermos idiotas, egoístas ou afetivamente estéreis.

7 comentários:

  1. Roberto, querido,
    Ainda que palavras pareçam pouco, e inúteis, atrevo-me a refletir sobre seus questionamentos.
    No breve contato que tive com seu afilhado, nada recebi além de doçura e gentileza. Já no primeiro e-mail que escrevi a ele, respondeu-me com um telefonema, de tão longe. Acho que urgia nele esse estar aberto ao outro, ou ao menos foi assim comigo. Doce, seu menino, é o que sempre me vêm à mente.
    Amor, é o que todos queremos. E mais ainda, sermos amados e aceitos pelo que somos. Mas como conciliar o amor que desejamos com aquele que recebemos? Acho que é desse abismo de incomunicabilidade que vêm a dor. E as almas mais doces parecem ser as mais frágeis...
    Sei que seu menino foi amado. Sei que você o amou, o guiou, o amparou. Mas ele cresceu, e decidiu seu caminho, ou desistiu... Seja como for, não há culpa. Como você escreveu no seu texto belo e dolorido, ele escolheu. Cabe a nós respeitar e chorar a perda, imensa. E cuidar dos amores que ficaram, viver o que é verdadeiro, alertados que estamos que talvez não haja tempo amanhã.

    A nós, que ficamos com a dor e a saudade, o que nos resta?
    Deixo para um poeta, como foi o seu menino, responder:

    O Haver (Vinicius de Moraes)

    Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
    Essa intimidade perfeita com o silêncio
    Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
    - Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

    Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
    Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
    De ferir tocando, essa forte mão de homem
    Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

    Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
    Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
    Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
    Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

    Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
    Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
    Do tempo, essa lenta decomposição poética
    Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

    Resta esse coração queimando como um círio
    Numa catedral em ruínas, essa tristeza
    Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
    Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

    Resta essa vontade de chorar diante da beleza
    Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
    Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
    Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

    Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
    De pequenos absurdos, essa capacidade
    De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
    E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

    Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
    De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
    E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
    Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

    Resta essa faculdade incoercível de sonhar
    De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
    De aceitá-la tal como é, e essa visão
    Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

    E desnecessária presciência, e essa memória anterior
    De mundos inexistentes, e esse heroísmo
    Estático, e essa pequenina luz indecifrável
    A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

    Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
    De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
    Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
    De não querer ser príncipe senão do seu reino.

    Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
    Pelo momento a vir, quando, apressada
    Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
    Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

    Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
    Esse eterno levantar-se depois de cada queda
    Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
    Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
    Infantil de ter pequenas coragens.

    E como amor não é para ser escondido, ou adiado, permita ainda que lhe diga, mais uma vez: amo você. Fique com Deus, querido.

    ResponderExcluir
  2. Dr. Roberto
    Sou do Vale do Paraíba, estudante de Direito. Estava pesquisando sobre alienação parental e cheguei no seu blog. Muito bom os seus temas. Mas fiquei muito triste com a morte do seu afilhado, apegue-se a Deus que ele nos ampara. Tenha força e fé.

    ResponderExcluir
  3. Juliana,

    Obrigado pela força. São manifestações como essa que mantém a gente de pé e com vontade de prosseguir.

    Abraços,

    RMG

    ResponderExcluir
  4. Nina,

    Suas palavras são realmente tocantes, profundas e coerentes. Lamento que o torpor (que há de passar!) me devolva a capacidade de reagir proporcionalmente a manifestações como a sua.

    Fique com Deus, também!

    RMG

    ResponderExcluir
  5. Ao renovar o contato em virtude da mudança do blog, deparei-me com a chocante notícia sobre o seu afilhado. Fiquei pensando no que dizer e no que não dizer num momento desses. Afinal, a criação do mundo, o início da vida, a morte, natural, acidental ou provocada, são coisas que os gênios da ciência nunca encontraram explicação e não será um reles mortal como eu que as encontrará. Então, só há uma coisa que posso fazer: deixar aqui minha humilde e sincera solidariedade. E, como diz Proust: O tempo é o senhor da razão. Passado o sufoco, inexorável o retorno à rotina, pois a vida continua. E espero, como os que o acompanham, que continues a nos brindar com a brilhante escrita de seu intelecto. Fraternal abraço.

    ResponderExcluir
  6. Querido amigo,

    Suas palavras são imensamente importantes para mim. De fato, há que se contar mesmo com o tempo e com a Fé.

    Grande abraço,

    RMG

    ResponderExcluir
  7. Que triste, sinto muito. Deus ampare a família.

    ResponderExcluir