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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Pais não pagam pensão e lotam cadeias em São Paulo




Pais não pagam pensão e lotam cadeias em São Paulo

Duas delegacias abrigam apenas detidos por falta de pagamento para os filhos


publicado em 30/04/2010 às 04h56

Do R7, com Jornal da Record.

Duas delegacias de São Paulo estão lotadas de pais que não pagaram pensão alimentícia aos filhos. As celas estão lotadas de homens com casos parecidos, alguns dos quais se tornaram verdadeiros círculos viciosos, com entradas e saídas constantes da prisão. A falta de acordo dos pais e a irresponsabilidade são os principais problemas.


A lei que manda o pai para a prisão por falta de pagamento da pensão já existe há 40 anos e prevê a penhora de bens e a prisão, por um período que pode variar entre 30 e 90 dias.



Assista ao vídeo


Fonte: R7 Notícias

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Por indicação da amiga Karla Mendes, jornalista e ativista pela causa da igualdade parental, tomei conhecimento da notícia transcrita e, sem pretensão de enfrentar o tema em profundidade nesse momento, não poderia me furtar a algumas ponderações acerca da prisão por dívida de alimentos como ferramenta de coação de que se vale o Estado para compelir devedores a pagar pensões em atraso.

Há décadas defendo a desumanidade e a incoerência dessa prática, tendo em vista que o devedor responde fisicamente, com o cerceamento de sua liberdade e sacrifício de sua dignidade, por um fato que invariavelmente tem justificativa e correção por outras vias que não a violenta e humilhante segregação social do devedor.

Castigos físicos na pós-modernidade do Direito cedem espaço a medidas sócio-educativas, como se espera de uma sociedade verdadeiramente humanizada e minimamente civilizada.

Além disso, enquanto perdurar a obrigação alimentar, o devedor poderá sofrer a sanção administrativa do aprisionamento, inúmeras vezes. Não bastasse isso, a sumariedade com que se decreta o aprisionamento do devedor de alimentos – fato que colide frontalmente com a melhor hermenêutica do Direito Processual – como a sanção civil não se confunde com a de natureza penal, o devedor, na prática culmina por responder em duplicidade pelo mesmo fato, significa dizer que ao contrário de princípios antiqüíssimos de Direito, pelo mesmo fato é “condenado” várias vezes.

Os defensores dessa anacrônica e desumana prática são pródigos em distinções jurídicas e em eufemismos para justificar a sua manutenção entre nós, dada a sua “inegável eficiência”. Fosse verdade, as cadeias não estariam lotadas de devedores de alimentos.

Tivessem os devedores de alimentos, ao oferecer justificativa para o inadimplemento, o tratamento legal adequado e justo, ou seja, o direito de produzir provas em processo igualitário, em paridade de armas, observada a função social do processo que se pode resumir como a função de reduzir ou corrigir assimetrias, certamente, não mais tomaríamos conhecimento de notícias como a que se comenta nesse momento.

O processo não pode resultar em ruína (material, pessoal ou social) para uma das partes, a pretexto de se cumprir a lei, até porque é princípio geral de Direito que o juiz ao aplicar a norma ao caso concreto deverá observar a sua finalidade social. Sendo assim, o caminho rápido, curto e fácil do decreto prisional, afronta, em sua literalidade, essa regra cogente e imperativa, de cunho hermenêutico.

Na maioria dos casos de inadimplência de alimentos, verifica-se que juízes não observam a equação legal em todas as suas variáveis para fixá-los provisória ou definitivamente. Em regra, valem-se de presunções e de regras não escritas que estabelecem uma tarifação para a fixação do valor da pensão.

Um pouco mais de cuidado e de rigor científico na fixação de alimentos reduziria, em muito, os casos de inadimplemento de alimentos e, por conseqüência, de decretos de prisão por dívida de alimentos.

Falam em um binômio derivado da lei que os orienta na fixação dos alimentos, é o famoso binômio da capacidade de quem deve alimentos x necessidade de quem os pleiteia. Na verdade, não existe esse Binômio, existe uma equação com outras variáveis que devem ser consideradas, mas, como não há espaço nesse breve comentário para o aprofundamento da questão, vale a análise ou a forma de análise dessas duas variáveis. Dificilmente o credor de alimentos faz prova ou demonstra a real necessidade dos alimentos que pede. Quando muito, traça um perfil sócio-econômico de grande necessidade e imputa ao pretenso devedor grande capacidade econômica, e é o que basta para que sejam fixados alimentos em patamar insuportável para o devedor. Não é difícil, portanto, entender a razão de tantas prisões por dívidas de alimentos.

Destaca-se, ainda, o fato de que só é preso aquele devedor de classe média baixa, aquele que realmente não tem de onde tirar dinheiro para evitar o aviltante aprisionamento. Além de sofrer a humilhante sanção, não raro o devedor, quando empregado, acaba por perder o emprego, seja porque se vê impossibilitado de trabalhar, seja porque o patrão não deseje manter em seus quadros, empregado que eventualmente será recolhido a uma cadeia, comprometendo a produtividade de sua empresa.

Por fim, alguém me responda como um cidadão trabalhando sem conseguir pagar a pensão, o fará recolhido ao cárcere?

Oportunamente, retomaremos o tema com um pouco mais de profundidade. Por ora, fica a reflexão que, seguramente, há de desagradar a muita gente.



3 comentários:

  1. Roberto,
    Parabéns pela análise lúcida da questão e pelo blog interessante. Já incluí entre as minhas leituras diárias. O que vai te obrigar a escrever mais!

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  2. Receba minhas congratulações pelo blog.
    Em artigo publicado no site jus vigilantibus sob o título "A perda da função punitiva da prisão alimentar por força de instruções infraconstitucionais tendentes a obstaculizar a execução de alimentos" o ilustre advogado Eduardo Antônio Kremer Martins, embora defenda posição oposta, informa que desde 1993, a Justiça Gaúcha, através de sua Corregedoria recomenda:
    “Considerando a absoluta inconveniência de cumprimento de ‘prisão civil’ em estabelecimento destinado a apenados por fatos criminosos, recomendo a V. Exa. que, não sendo caso de prisão domiciliar, determine, sempre que possível, seu cumprimento sob regime aberto em ‘casas de albergados’."
    Já é um alento, diante da situação prisional do país, não acha?
    Muito sucesso para nessa nova empreitada.
    Clod

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  3. Vivi de perto uma situação como essa, e concordo com seu posicionamento. Não sou advogada, mas acho que a função do Estado não pode ser "vingativa".

    Concordo com a Karla, escreva cada vez mais!

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