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Embora de conteúdo jurídico, este blog tem a pretensão de abrir o debate sobre questões relacionadas à família, aos relacionamentos, em qualquer de suas configurações, e, para isso, quero contar com a participação de todos, independentemente de arte, ofício ou profissão; ideologias ou credos; afinal, é do diálogo plural e democrático que nascem as idéias e valores que, de alguma maneira, hão de dar os contornos à sociedade que desejamos.

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sábado, 25 de setembro de 2010

Alienação parental: a importância do trabalho multidisciplinar




Abuso emocional e psicológico

O impacto do projeto de lei de atos de Alienação Parental no trabalho do psicólogo: o profissional precisa conhecer bem o tema e compreender com clareza a dinâmica familiar no pós-divórcio

Tamara Brockhausen

O psicólogo, seja ele perito, assistente técnico ou terapeuta que atende a criança ou adolescente, deve estar bem informado acerca do que constitui a Alienação Parental, quais suas formas, como intervir e alguns cuidados que deve ter ao emitir documentos escritos, bem como ao atender casos que se enquadrem neste diagnóstico.
Na lei brasileira 4.053/2008 podemos destacar duas definições: Alienação Parental e atos de Alienação Parental. A Alienação Parental é entendida como qualquer interferência de um dos pais, familiares ou outra qualquer pessoa que tenha a criança sob sua guarda, vigilância ou autoridade para que a criança repudie um genitor. Importante trazermos para a discussão esta definição e ao mesmo tempo compararmos com os termos originais do psiquiatra norte-americano, Richard A. Gardner cunhados pela primeira vez em 1985 (Parental Alienation Syndrome, 1998). Gardner conceitualizou dois termos - a Síndrome de Alienação Parental (SAP) e a Alienação Parental (AP).
Ele estabeleceu a SAP como um subtipo da AP, uma expressão mais genérica. A AP é definida como qualquer situação na qual uma criança pode rejeitar um genitor. Essa animosidade pode ser gerada por diversas causas: revoltas adolescentes ou lavagem cerebral em jovens feita por cultos religiosos nas quais não é possível identificar um programador específico e os abusos psicológicos, físicos, sexuais, negligência ou abandono cometido por parte do genitor que passa a ser rechaçado pela criança/adolescente. Já na SAP a criança recusa contato, rejeita a afetividade e/ou defere hostilidade contra um bom genitor com quem ela sempre estabeleceu laço afetivo não tendo, portanto, justificativas reais para sua atitude. A sua causa é atribuída à programação feita no pós-divórcio por um dos genitores com intuito retaliativo de afastar a criança do convívio com o outro genitor. Portanto, no projeto de lei, o termo AP nada se relaciona com a AP de Gardner, aproximando-se mais da definição de programação descrita na SAP.
A menção aos avós no papel de alienadores na lei brasileira deve-se ao fato de que Gardner identificou que em muitos casos existia um alienador secundário. É comum que as crianças depois da separação dos pais sejam deixadas com os avós e até mesmo habitem com eles. Passa a ser tarefa do psicólogo identificar se existe um alienador secundário para o correto diagnóstico e intervenção judiciária. Isso porque muitas vezes o alienador secundário passa mais tempo com a criança do que o alienador primário. O projeto de lei prevê a necessidade de se avaliar mais completamente tais situações, isso inclui avaliar a família extensa que faz parte da dinâmica alienadora.
O projeto pretende dar ênfase às situações que tiveram, muitas vezes,
encaminhamentos malsucedidos pelos profissionais
O genitor alienador geralmente é manipulador e inteligente no que se refere às relações pessoais. Conhecedor das fragilidades do genitor alienado, costuma envolver as pessoas e os profissionais em um discurso de vítima, confundindo a equipe envolvida
Sérios equívocos
O projeto de lei pretende dar ênfase a tais situações que tiveram muitas vezes encaminhamentos malsucedidos pelos profissionais. O genitor alienador geralmente conhece as fragilidades do genitor alienado. Sendo o primeiro muito hábil, manipulador e inteligente no âmbito das relações, envolve as pessoas e os profissionais em um discurso de vítima. Tal discurso promove enganos de identificação à equipe profissional, gerando encaminhamentos equivocados. É comum peritos concluírem em casos de SAP que o autor da ação demanda solução mágica do judiciário, isto é, demanda retomar o contato com os filhos por vias judiciais sem empreender esforços em mudanças pessoais, quando não é este o caso, uma vez que as mudanças devem ser empreendidas, de fato, no âmbito do relacionamento do alienador com os filhos. E que não há como reconectar contato entre pais e filhos por estas vias, pois os filhos escolheram recusar o contato, costumam concluir, erroneamente. Ou, ainda, que não há como retomar contato entre pais e filhos a não ser que ambos os genitores parem de brigar, uma vez que as brigas são apontadas como a causa da rejeição da criança a um dos pais (geralmente a resolução do problema passa por causas muito mais complexas do mesmo, que não a simples rejeição em função das brigas). Gardner afirma que dificuldades parentais menores do genitor alienado não podem dar conta de explicar a recusa da criança ao contato. Dar o acento adequado às dificuldades de parentalidade de cada genitor, identificar a causa real da rejeição em detrimento de outros prejuízos psicológicos que as crianças têm em função da lide dos pais, passa a ser um diagnóstico diferencial para o psicólogo, com o advento da lei. O projeto ainda estabelece a necessidade do psicólogo designado para avaliar tais casos ter comprovado conhecimento sobre o tema.
Para o profissional utilizar o termo SAP, deve estar familiarizado com o conceito e suas implicações. Sem as contribuições ativas da criança à campanha de denegrir o genitor alienado, não podemos diagnosticar a presença da SAP. Esse é um dos equívocos mais comuns pelos profissionais. Até mesmo alguns casos de falsa alegação de abuso sexual, fabricadas com intuito retaliativo, podem não configurar uma SAP se a criança não ratificar o abuso e ainda tiver uma boa relação com o genitor acusado. Nem por isso são casos menos graves; deve ser considerada a inversão de guarda, decisão mais radical e prevista pela lei, o que muitas vezes não é considerada pelos operadores do Direito e pelos profissionais da Saúde.

Prognóstico

O psicólogo, como alternativa ao uso da nomenclatura SAP, pode, em casos graves nos quais a criança ainda não está alienada, diagnosticar a presença de genitor programador com grandes riscos de instalar a SAP. Fornecer um prognóstico e descrever a situação de abuso psicológico pode dar conta de diagnosticar a gravidade do caso sem usar o termo SAP equivocadamente. Não é necessário esperar a recusa da criança para se diagnosticar uma situação patológica e intervir. Como uma alternativa, de acordo com a lei brasileira o psicólogo pode diagnosticar AP, visto que a fabricação inclui-se na tentativa de afastar o convívio do filho com um dos genitores, não sendo portanto necessário repúdio por parte da criança para se utilizar o termo. O profissional deve deixar claro qual das conceitualizações ele utiliza em seu trabalho, ele pode fazer isso descrevendo pormenorizadamente as manifestações clínicas dos envolvidos e sua correlação com a dinâmica familiar. Importante ressaltar, que a inversão de guarda não é apenas considerada para garantir o convívio da criança com o genitor alienado, mas em função de prováveis dificuldades psíquicas importantes do genitor que vitimiza seu filho para fazer falsas alegações com intuito retaliativo, o que coloca em risco a saúde mental da criança.
A lei introduz um caráter preventivo, uma vez que não é necessário identificar a contribuição ativa da criança. Porém, escapa a polêmica quanto à classificação do fenômeno como síndrome. Isso porque a causa na SAP é apontada exclusivamente como a programação do genitor alienador. Alguns profissionais podem relutar em utilizar o conceito de SAP acreditando que ele não considera a dinâmica familiar de todos os envolvidos na produção da patologia, mas como alternativa pode-se usar o termo AP. Isso merece estudos mais profundos.
É importante que o psicólogo note quais são as dificuldades que a criança tem com cada genitor. Geralmente, nestes casos, ela tende a ter uma relação fraca com um dos pais. Identificar a causa real da rejeição em detrimento de outros prejuízos psicológicos, passa a ser um diagnóstico diferencial

Dinâmica do pós-divórcio

Os terapeutas especializados em divórcio ou família podem relutar em considerar o termo "Alienação Parental" sem examinar novas abordagens e estudos sobre as dinâmicas familiares no pós-divórcio contemporâneo. Podem também acreditar que a dinâmica da SAP é antiga e conhecida nos settings psicológicos, quando um genitor fala mal do outro para a criança. De fato, que esta situação pode ser corriqueira nos consultórios, mas o que é chamado de SAP é uma graduação severa daquilo que se observa geralmente no atendimento particular e que coloca desafios ao método tradicional das terapias. É possível que os terapeutas encontrem graus muito mais acentuados do que estão acostumados a tratar, que falhem na forma de intervir, caso não pesquisem sobre o novo fenômeno. Será cada vez mais comum tais casos mais severos, decorrentes de obrigação de tratamento ou acompanhamento estabelecidos pelo juiz. É importante o profissional saber se posicionar e como intervir neste tipo de dinâmica complexa. Esses casos não devem ser confundidos com outros que chegam espontaneamente ao consultório.
"Não é necessário esperar a recusa da criança para diagnosticar
uma situação patológica de abuso emocional e intervir"
A inversão de guarda é considerada principalmente a fim de evitar dificuldades psíquicas e risco à saúde mental da criança, vindas do genitor que vitimiza seu filho. A separação pode ser dolorosa para a criança, por ter se apegado ao genitor alienador, embora seja necessária

A polêmica do perito-terapeuta

A procura espontânea ao psicólogo pode significar um bom prognóstico quando a pessoa deseja ou aceita se questionar. O uso de técnicas familiares tradicionais, como por exemplo, adotar uma postura mediadora entre o ex-casal, em contexto de SAP, e deixar de identificar uma patologia, pode aprofundar o processo de alienação. O uso da má-fé, manipulação, mentiras graves e falsas alegações de violência inviabiliza a mediação e cumpre com o fito de confundir os profissionais, atrasar as intervenções e ganhar tempo para aprofundar o processo de alienação na criança. A postura mediadora do profissional em casos mais severos pode ser uma ingenuidade. Trata-se de uma patologia que necessita de intervenção específica, efetiva e com apoio de outros profissionais. Não se trata de negar a existência da responsabilidade de cada um na dinâmica familiar da alienação, mas de dar o acento correto à causa da violência psicológica contra a criança para poder intervir o mais rápido possível.
Com relação à obrigação judicial de terapia, uma polêmica se faz, à medida que o usual para os psicólogos, em função da natureza da profissão, é acreditarmos que o tratamento coercitivo não funciona e que poderia ser uma violência, questionamento este que é reacendido desde Gardner e merece boas discussões. Gardner, como forma de intervenção à SAP, propõe a terapia atrelada ao judiciário - para tal ele utiliza o papel do perito-terapeuta. Importante ressaltar os cuidados a que o psicólogo deve se ater, segundo a nova resolução 08/2010 do CFP. Art. 10 (...) é vedado ao psicólogo que esteja atuando como psicoterapeuta das partes envolvidas em um litígio: II - Produzir documentos advindos dos processos psicoterápicos com a finalidade de fornecer informações à instância judicial acerca das pessoas atendidas, sem o consentimento formal destas últimas (...)" (p. 4). No caso de atendimento de criança ou adolescente, o psicólogo, ao emitir documentos escritos, deve ter o consentimento formal de ao menos um dos responsáveis legais. Portanto, o psicólogo pode estudar as intervenções de Gardner, mas é importante limitar sua práxis sempre de acordo com as regras, normas e ética para a profissão. Uma questão pode ser destacada: como proceder se o psicólogo entender que a criança está sendo violentada psicologicamente pelo alienador? Seria caso a ser encaminhado como o de uma denúncia de violência em que os direitos da criança estão sendo feridos?

Violência psicológica

Esta polêmica merece atenção e pode instigar questionamentos: quais os desdobramentos mais amplos no caso da SAP ser enquadrada como uma violência psicológica? Alguns casos clínicos podem servir de exemplo. A genitora apontava arma para sua própria cabeça quando as filhas faziam menção em visitar ao pai; chorando, dizia sentir-se sozinha por ter sido abandonada. Em outro caso, a genitora fazia todas as noites barricadas com objetos na porta de seu apartamento junto às filhas para afastarem o "demônio", apelido este do pai. Há casos repetidos em que o genitor alienador diz ao filho que a genitora quis fazer um aborto durante a gestação e que portanto quis matá-lo. Perguntamos se são casos em que o psicólogo deve ter a quebra de sigilo como um instrumento de proteção à saúde e integridade física da criança por serem enquadrados como violência psicológica. Entretanto, o psicólogo deve examinar criteriosamente se o caso que avalia é passível de quebra de sigilo antes de elaborar documento escrito.
Pela questão da escolha de quebra de sigilo ou não, é importante que o profissional saiba diferenciar as dinâmicas comuns ao pós-divórcio como os conflitos de lealdade e a SAP, isto é, diferenciar o que pode ser tratado convencionalmente e o que é típico de uma dinâmica patológica resistente ao tratamento tradicional e que se enquadra em violência psicológica.
Para Gardner, o genitor que induz a SAP é portador de patologias mais severas, que o impedem muitas vezes de zelar pela proteção, saúde física e mental dos filhos. Ele observa que nos conflitos de lealdade do pós-divórcio a criança sente a animosidade dos pais, sofre e comumente faz um jogo entre eles. Fala mal de um para o outro e gera muitas vezes intriga entre os adultos, fica dividida entre o amor e a lealdade de um e de outro. Mas quando um dos genitores tem necessidade de retaliação aliada a dificuldades psíquicas importantes, pode explorar essa vulnerabilidade na criança, isto é, o conflito de lealdade diante do divórcio, para usá-la de instrumento de retaliação contra o ex-parceiro.

Implementação de memória

Um dos mais importantes reflexos da teoria da SAP no cotidiano dos profissionais que examinam casos diversos de violência está relacionado às falsas alegações de abuso sexual de crianças. O projeto de lei traz outra perspectiva à questão e acentua: tão grave quanto o abuso sexual da criança são também as falsas alegações de abuso sexual. Muitos genitores continuam com a guarda de seus filhos depois de ter sido detectada a intenção de fabricar a alegação. A criança que passa pela falsa implementação de memória, segundo Gardner e seus sucessores, passa a acreditar que foi de fato abusada, sendo assim vitimizada pelo genitor que clama a estar protegendo.
A lei traz novo encaminhamento às falsas denúncias de abuso. Existem os tão frequentes falsos reportes de violência à mulher com o intuito de denegrir a imagem do genitor alienado, provocar impacto nos profissionais além de ganhos no processo.
"O genitor que induz à SAP sap é portador de patologias severas,
que podem impedi-lo de zelar pela proteção, saúde física e mental dos filhos"
Os profissionais devem diferenciar as dinâmicas comuns ao pós-divórcio como os conflitos de lealdade e a SsAP. Cabe a ele identificar o que é típico de um envolvimento patológico resistente ao tratamento tradicional para obter, com o melhor processo terapêutico, os melhores resultados

Falsas verdades

Existem também as falsas alegações de maus-tratos, negligência, abuso físico e sexual contra as crianças, sendo a última mais comum. O profissional necessita ter conhecimento técnico específico sobre a teoria e prática das avaliações ao lidar com as falsas alegações. As crianças que passam por falsas alegações de abuso sexual apresentam sintomatologia parecida com a de crianças realmente abusadas. Comumente, o genitor alienador e a criança passam a acreditar que o abuso ocorreu, dificultando ainda mais o diagnóstico para o psicólogo. É essencial o psicólogo incorporar, em sua metodologia investigativa, meios para detectar eventuais falsos testemunhos de crianças e não simplesmente detectar indícios da ocorrência ou não do abuso. Em sentido contrário, pode gerar uma falsa proteção à criança, lançando-a mais ainda num contínuo de destruição. Os passos da avaliação são previstos na lei. É necessário o terapeuta averiguar se existe algum motivo para se produzir uma falsa alegação, algum processo tramitando e procurar acarear aquilo que é falado pelas partes. Muitos profissionais guiam-se primordialmente pela fala verbal dos envolvidos, o que pode ser altamente enganoso em caso de SAP. Chamar o genitor acusado para entrevistas passa a ser etapa fundamental na avaliação e determinada pela nova resolução do CFP 10/2010. Muitas vezes o genitor alienador se recusa a dar o contato do genitor alienado ao psicólogo, o que já é um dado relevante à investigação. Outros genitores alienadores rompem com os atendimentos quando o psicólogo não acolhe de início todas as suas demandas acusatórias. É comum que indutores de SAP passem por diversos profissionais até encontrarem um que se alie ferozmente à sua versão, razão pela qual é importante verificar se já passou por outros profissionais. Muitas técnicas utilizadas em avaliações dessa natureza poderão começar a ser questionadas e necessitam de novas pesquisas, uma vez que a teoria da SAP, com a análise do diagnóstico diferencial das falsas alegações de abuso sexual, trouxe importantes contribuições que iluminam o questionamento dos métodos e instrumentos hoje utilizados para estas avaliações.
Crianças que passam por falsas alegações de abuso sexual costumam apresentar sintomas parecidos com os da criança abusada. Genitor alienador e a criança passam a acreditar que o abuso realmente aconteceu, o que dificulta o diagnóstico para o psicólogo
Outra questão relaciona-se ao fato de que nem todas as falsas alegações de abuso sexual são fruto de SAP, isto é, de tentativa de afastar a criança do genitor. Diagnosticar SAP em qualquer caso de falsa alegação de abuso sexual é um erro. As falsas alegações de abuso sexual podem ter origem em inúmeros mecanismos psíquicos, o que é diferente dos casos de SAP, em que são produzidas com intuito de retaliação. É importante fazer esta distinção para que não se estigmatize de antemão, todas as pessoas envolvidas em falsa alegação de abuso sexual. No Brasil, não existem pesquisas consistentes sobre o assunto, mas é importante o psicólogo estar familiarizado com as mesmas.
O projeto de lei ao propor nova definição jurídica, trará outros horizontes à prática profissional, às pesquisas e a amplos questionamentos, contribuindo portanto para o aumento do conhecimento e uma práxis mais atualizada ao contexto contemporâneo.

Definições do projeto de lei

O projeto de lei nº 4.053/2008, define os atos de alienação parental como uma prática que fere direitos fundamentais da criança e estabelece medidas de proteção para inibir ou atenuar a alienação. São elas: advertência ao alienador, ampliação do tempo de permanência da criança com o familiar alvo da alienação, multa ao alienador, intervenção psicológica monitorada, inversão de guarda ou estipulação de guarda compartilhada e por último, a suspensão do poder parental.
O projeto apresenta um rol explicativo das condutas que caracterizam alienação parental: realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade, dificultar o exercício da autoridade parental, dificultar o contato dos filhos com um dos genitores, omitir deliberadamente informações relevantes sobre os filhos como informações escolares, médicas e alteração de endereço, apresentar falsa denúncia contra o genitor ou familiares deste para dificultar a convivência com a criança, mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, com o objetivo de dificultar o contato com o genitor ou parentes deste.
A proposta ainda prevê outros atos não especificados desde que sejam caracterizados por psicólogo ou juiz como alienação parental. O projeto de lei traz novas especificações ao psicólogo perito que deverá: apresentar laudo em 90 dias em casos de alienação parental, comprovar aptidão para diagnosticar atos de alienação parental e ainda determina alguns passos essenciais para a avaliação psicológica em casos de alienação. A nova proposta aguarda sanção do Presidente da República Luiz Inácio da Silva para entrar em vigor.

A verdade sobre Gardner

Muitos profissionais acreditam equivocadamente que Gardner era sempre a favor da inversão de guarda nos casos de SAP. Ele propõe acompanhamento da evolução e cooperação do alienador com o tratamento e com as intervenções do juiz. O objetivo é evitar a inversão de guarda, que deve ser tomada para proteger a criança somente se todas as intervenções terapêuticas e judiciais indicadas falharem ou se o grau da Síndrome for severo.

Inocência mútua

Muitos profissionais ainda acreditam que uma criança não mente sobre alegações de abuso sexual. Os estudos internacionais de fato revelavam essa crença até a década de 80, que no entanto está para ser abandonada com a aprovação da nova lei brasileira. Fato é que, no contexto atual, por uma série de motivos, inclusive o aumento dos casos de SAP, as crianças podem mentir que foram abusadas. O psicólogo brasileiro está mal instrumentado porque praticamente inexistem estudos, pesquisas e artigos nacionais que tratem do tema. A literatura americana é vasta. Inúmeras pesquisas têm sido feitas e o profissional deve ser levado a buscar tais referências internacionais uma vez que apenas estamos engatinhando nos primeiros estudos que carecem de maior profundidade e discussão das técnicas para casos deste tipo.

Tamara Brockhausen é bacharel em Psicologia pela PUC-SP, mestranda pela USP em SAP e falsas alegações de abuso sexual, especialista em Psicologia Clínica e Judicial, assistente técnica em Varas de Família.
Contato: tamarahausen@hotmail.com


Fonte: Portal Ciência e Vida

sábado, 11 de setembro de 2010

Trégua



Se, de tudo nessa vida natural ou sobrenatural, nada consegui compreender, confortam-me as limitadas capacidades do Ser.

Amar, por exemplo, em seus diferentes desenhos e possibilidades, como explicá-lo ou compreendê-lo, se nos foi dado somente para experimentá-lo?

Dizem os poetas que amar é uma experiência extraordinária e a elegem a uma categoria quase divina, senão divina por essência.

Na verdade, amar, é tão natural quanto qualquer outra virtude ou vício que nos anima.

Se não se confunde com qualquer desses atributos naturais, é porque nos faz experimentar - de forma real - sentimentos e sensações táteis que, mística ou mitologicamente, supomos divinas ou sobrenaturais.

Que trégua maravilhosa nos permite o amor nessa travessia desse mar infinito e indecifrável que é a vida!

Enfim, não seria possível a vida caso essa inestimável capacidade inexistisse, mesmo que, para alguns, como eu, apenas existam sustos de felicidade.

Benditos sustos!

RMG

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

EC 66/2010: Continua o bate-cabeças

Separação não foi revogada pela PEC do Divórcio

Por Nemércio Rodrigues Marques

Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010, que alterou o artigo 226, parágrafo 6º da Constituição Federal, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou comprovada separação de fato por mais de dois anos, muitos estudiosos e operadores do Direito passaram a adotar o entendimento de que a separação judicial haveria sido revogada.

O presente trabalho tem por escopo demonstrar, com argumentos jurídicos e práticos, que a alteração do texto constitucional, com a supressão de requisitos para o divórcio, não revogou o instituto da separação; pelo contrário, ambos coexistem no sistema jurídico.

É da tradição de nosso Direito o reconhecimento do casamento no texto da Constituição, o que se dá a partir da Carta de 1891 (artigo 72, parágrafo 4º).

O Código Civil de 1916 previa o instituto do desquite como causa de dissolução da sociedade conjugal (artigo 315). O desquite poderia ser litigioso ou consensual.

A Constituição de 1934 previa a indissolubilidade do casamento e conferia à lei ordinária a determinação dos casos de anulação e desquite (artigo 114).[1]

Apesar de constantes tentativas de se introduzir o divórcio no ordenamento jurídico pátrio — o que teve início, segundo a doutrina[2], em 1897 —, manteve-se o princípio da indissolubilidade do casamento nas Constituições seguintes, inclusive na Carta de 1967.

Todavia, a Emenda Constitucional 9, de 28 de junho de 1977, deu nova redação ao artigo 175, parágrafo 1º da Constituição Federal, que passou a admitir o divórcio[3], nos seguintes termos: “o casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos”.

Esclarece Washington de Barros Monteiro: “Com a superveniência dessa modificação constitucional, triunfou, em nosso país, a campanha contra o princípio da indissolubilidade, consagrado em todas as Constituições anteriores”.[4]

O divórcio foi, assim, introduzido na ordem jurídica pátria, condicionado, porém, à prévia separação judicial (antigo “desquite”) por mais de três anos.[5]

Sob a égide da Emenda 9, foi editada a Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, que disciplinou, em nível infraconstitucional, o divórcio.

E assim foi até o advento da Carta de 1988 que, ao manter a regra da dissolubilidade do casamento pelo divórcio, ampliou-a às hipóteses de prévia separação judicial por mais de um ano ou comprovada separação de fato por mais de dois anos, verbis:

Art. 226 (...)

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

A regra em questão foi agasalhada pelo art. 1.580, caput, e § 2º, do Código Civil de 2002:

Art. 1.580. Decorrido 1 (um) ao do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.

(...)

§ 2º O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.

Manteve-se o paralelo estabelecido entre o divórcio, que coloca fim ao casamento, e a separação judicial, que apenas põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime de bens (artigo 1.576 do Código Civil).

Com a entrada em vigor da Emenda 66, o parágrafo 6º do artigo 226 passou a ter a seguinte redação: “Art. 226 (...) § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.”

Suprimiram-se, assim, os requisitos da prévia separação judicial ou de fato. Persiste o divórcio, mas agora sem necessidade do preenchimento de tais requisitos.

Fica claro que a reforma em tela nada mais fez do que facilitar a dissolução do matrimônio, deixando de condicionar o divórcio à prévia separação judicial ou de fato.

O constituinte reformador nada disse sobre a dissolução da sociedade conjugal — matéria, aliás, estranha ao texto constitucional desde sempre, pois, como visto, as Constituições limitaram-se a disciplinar a (in)dissolubilidade do casamento. Com isso, não se pode dizer que a supressão dos requisitos do divórcio venha a afetar a coexistência da separação judicial.

Em outras palavras, a Emenda 66 não excluiu a possibilidade de separação judicial (litigiosa ou consensual); apenas — e isso resta claro da redação de sua epígrafe[6] — disciplinou de forma diversa o instituto do divórcio.

E não poderia ser diferente, visto que se trata de dois institutos diversos, sendo um equívoco, data venia, tratar a separação judicial como um minus em relação ao divórcio. Tanto é assim que os referidos institutos sempre foram independentes um do outro — admitindo-se, outrora, haver separação judicial sem divórcio e divórcio sem a prévia separação judicial.

Com isso, não se pode dizer que a abolição dos requisitos temporais do divórcio, de modo a facilitá-lo, tenha posto fim à separação judicial.

Ademais, prescreve a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 2º, parágrafo 1º: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

Ora, além de não haver revogação expressa da separação judicial pela citada Emenda Constitucional, não há qualquer incompatibilidade entre sua redação e o regramento infraconstitucional que prevê aquele instituto. Vale insistir, o fato de a Constituição, a partir da Emenda, não mais exigir os requisitos temporais do divórcio em nada interfere na previsão infraconstitucional da separação (consensual ou litigiosa), nem tampouco é com ela incompatível.

Também não nos parece correto afirmar que a revogação da separação, conquanto não decorra a incompatibilidade entre as normas constitucional e legal, é fruto da “vontade do legislador”.

Primeiro porque, como visto, não é o que se infere da epígrafe da Emenda 66; em segundo lugar, no presente caso, a interpretação com base na “vontade do legislador” significa ignorar totalmente a ciência do direito e a teoria do ordenamento jurídico, com suas regras interpretativas, negando-se validade ao direito posto em favor de um critério eminentemente subjetivo e sem respaldo no texto normativo.

Examinada a questão do ponto de vista do direito material, cabe a breve reflexão sobre a existência de interesse processual em se requerer, judicialmente (ou mesmo extrajudicialmente), a separação, quando se permite, agora, o divórcio sem aqueles requisitos.

E a resposta é positiva, na medida em que, em tese, pode interessar ao casal, antes de pôr fim ao casamento, separar-se, ainda que provisoriamente, até que decida acerca da conveniência do divórcio. A medida é salutar, pois preserva a instituição do matrimônio e permite que o casal, a qualquer momento, restabeleça a união, sem a necessidade de novo casamento.

Tal interpretação está em consonância com o espírito que norteou o constituinte originário a dar preferência ao casamento civil (artigo 226, parágrafos 1º e 2º), sem prejuízo de reconhecer a união estável (parágrafo 3º).

Do exposto, resulta a conclusão de que a Emenda 66 apenas alterou a disciplina constitucional do divórcio. Permanece o regramento infraconstitucional da separação judicial, quer por não haver incompatibilidade, quer por se vislumbrar perfeitamente possível que um casal pretenda dissolver o vínculo matrimonial, sem colocar fim, definitivamente, ao casamento.

BIBLIOGRAFIA

BITTAR, Carlos Alberto; FILHO, Carlos Alberto Bittar. Direito civil constitucional, 3. ed., São Paulo, RT, 2003.

GOMES, Orlando. Direito de família, 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1990.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito de família. 2. v, 34. ed., São Paulo: Saraiva, 1997.


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[1] BITTAR, Carlos Alberto; FILHO, Carlos Alberto Bittar. Direito civil constitucional, 3. ed., São Paulo, RT, 2003, p. 81.

[2] Idem, ibidem.

[3] Segundo Orlando Gomes, “Foi árdua a luta pelo divórcio. A longa resistência deve-se à obstinação dos católicos em colocar a questão do divórcio no terreno confessional, como sucedera, no século passado [XIX], na França, colocação que é radicalmente falta porque a lei é feita para todos. (...) A verdade é que, nas camadas mais esclarecidas da população, formou-se o consenso de que a solução do divórcio seria superior à do desquite, considerada falsa, artificial, incompleta, que gerava problemas e conseqüências mais inconvenientes do ponto de vista moral e social.” (Direito de família, 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 276).

[4] Curso de direito civil. Direito de família. 2. v, 34. ed., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 220.

[5] Salvo a hipótese prevista no art. 2º da mencionada Emenda nº 9: “No caso de separação de fato, com início anterior a 28 de junho de 1977, e desde que completados cinco anos, poderá ser promovida a ação de divórcio, na qual se deverão provar o decurso do tempo da separação e sua causa”.

[6] “Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos”.


Fonte: Conjur
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Como afirmei em posts anteriores, a EC 66/2010, disse menos do que deveria.